Paulo Liberalesso, MD, PhD.
Médico neuropediatra, pós-graduado em neurofisiologia, pós-graduado em análise do comportamento aplicada, mestre em neurociências, doutor em distúrbios da comunicação humana, diretor científico do IEPSIS – Instituto de Ensino e Pesquisa em Saúde e Inclusão Social.
O transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é uma condição do neurodesenvolvimento caracterizada por sintomas persistentes de desatenção, hiperatividade e/ou impulsividade, com início precoce e impacto significativo no funcionamento social, acadêmico e familiar. No contexto escolar, tais manifestações frequentemente provocam dificuldades de organização, planejamento, manutenção da atenção, controle inibitório e regulação emocional, aspectos essenciais para a aprendizagem em ambientes escolares. Portanto, adaptações pedagógicas individualizadas são indispensáveis para permitir que a criança com TDAH tenha acesso equitativo ao currículo e possa demonstrar seu potencial.
Nesse texto eu vou abordar de forma detalhada e prática, as principais adaptações escolares recomendadas para crianças com TDAH, com base em diretrizes internacionais (DSM-5-TR, CHADD, AACAP) e nas melhores evidências da neurociência aplicada à educação. O objetivo é oferecer ao médico neuropediatra argumentos clínicos e neuropsicológicos para documentar legalmente a necessidade das medidas de inclusão.
Justificativa neurocognitiva:
Crianças com TDAH frequentemente apresentam déficits nas funções executivas, em especial na memória de trabalho, planejamento, automonitoramento e regulação do tempo. Isso torna o processamento de tarefas cognitivamente exigentes mais lento e propenso a erros por omissão, especialmente se houver pressão relacionada ao tempo de execução da tarefa ou da atividade. O córtex pré-frontal dorsolateral e os circuitos dopaminérgicos mesocorticais, fundamentais para o controle executivo, são áreas envolvidas nessa dificuldade.
Adaptação pedagógica:
Conceder tempo extra (usualmente 25 a 50% a mais) para a realização de provas e tarefas pode reduzir significativamente a ansiedade de desempenho e permitir que a criança revise suas respostas reduzindo erros relacionados à desatenção e à ansiedade temporal. Essa adaptação não é um privilégio, mas uma compensação justa àquela criança por um ritmo cognitivo assimétrico, permitindo que a avaliação de conhecimento não seja distorcida pela impulsividade ou alteração de funções cognitivas importantes para o aprendizado.
Exemplo prático:
Durante uma prova de matemática, uma criança com TDAH pode entender o conteúdo, mas cometer erros por distração, pular etapas ou esquecer instruções. Não raramente, crianças com TDAH podem errar operações matemáticas elementares por não alinhar os numerais em uma soma ou em uma subtração. Inversão de sinais matemáticos por falta de atenção e concentração também são erros comumente cometidos por crianças com TDAH. O tempo adicional possibilita releitura, revisão e foco progressivo.
Justificativa neuroambiental:
A autorregulação da atenção é especialmente sensível a estímulos distratores dispersos no ambiente. O TDAH está associado a um sistema atencional menos eficiente na filtragem de estímulos irrelevantes (fenômeno neurobiológico relacionado à alterações funcionais na modulação do tálamo e redes atencionais fronto-parietais). Estímulos auditivos e visuais periféricos (que deveriam ser automaticamente ignorados pelo indivíduo) são processados com mais intensidade, competindo com o foco atencional principal (socialmente relevante).
Adaptação pedagógica:
Posicionar a criança longe de janelas, portas de corredores ou colegas mais inquietos, e mais próxima do professor, favorece a redução de estímulos externos e aumenta a possibilidade de redirecionamento atencional imediato pelo professor regente ou pelo próprio professor de apoio especializado que eventualmente esteja acompanhando a criança. O professor torna-se um importante ponto de referência visual e auditiva constante, funcionando como um facilitador da autorregulação externa.
Exemplo prático:
Uma criança sentada na última fileira pode desviar sua atenção ao observar movimentações no corredor, pessoas fora da sala de aula através de uma janela ou mesmo permanecer longos períodos de tempo observando todos os demais colegas que estão à sua frente na sala de aula. Ao ser posicionada na primeira fileira, sob o campo de visão e atenção direta do professor, esses estímulos perdem relevância e a intervenção pedagógica se torna mais imediata e, consequentemente, efetiva.
Justificativa comportamental e atencional:
O ambiente coletivo de avaliação pode ser especialmente desafiador para crianças com TDAH devido à combinação de estímulos distratores, ansiedade de desempenho e dificuldades de inibição comportamental. A regulação emocional (frequentemente alterada no TDAH) pode ser sobrecarregada por ruídos, movimentações ou comparações com os colegas. Além disso, a hiperatividade motora da criança com TDAH e uma eventual tendência à falar excessivamente, pode comprometer a atenção e o desempenho dos colegas no momento da prova, trazendo potenciais conflitos.
Adaptação pedagógica:
Oferecer um local mais tranquilo e monitorado por um professor de apoio permite uma melhor autorregulação emocional e controle da atenção. A criança sente-se menos julgada, menos observada, menos pressionada, e mais capaz de manter o foco atencional na tarefa, com diminuição de comportamentos de oposição, frustração, fuga ou evasão.
Exemplo prático:
Durante uma avaliação de leitura, a presença de múltiplas vozes ao redor pode desorganizar cognitivamente a criança com TDAH. Ao realizar a prova em uma sala reservada, silenciosa e com supervisão compreensiva, ela consegue aplicar melhor suas estratégias cognitivas. Ressaltamos que, frequentemente, observamos em nossa prática clínica que as crianças que apresentam alguma necessidade educacional ou comportamental específica são reunidas simultaneamente em uma única sala para realizarem suas provas ou avaliações – essa prática deve ser considerada contraindicada uma vez que perverte o exato motivo pelo qual estas crianças necessitam ser separadas dos demais colegas no exato momento em que realizam provas ou avaliações.
Justificativa cognitiva:
Tarefas extensas ou de múltiplas etapas exigem persistência, planejamento e memória operacional, todas funções prejudicadas no TDAH. O fracionamento de tarefas permite que a criança enfrente desafios menores, com início, meio e fim mais claramente definidos, o que favorece o senso de competência e reduz o risco de desorganização mental. Fracionar tarefas mais longas em partes menores também reduz o risco de fuga no momento de realização destas atividades propostas pelo professor para serem realizadas no ambiente domiciliar.
Adaptação pedagógica:
Dividir atividades longas em partes menores, com pausas programadas e reforços positivos entre as etapas, aumenta a capacidade da criança de manter o foco e completar o trabalho. Além disso, facilita o monitoramento do professor sobre o progresso e intervenções pontuais.
Exemplo prático:
Ao invés de entregar uma folha com 30 questões, dividir o material em três blocos de 10 perguntas, com pausas curtas e reforços verbais (sociais) entre elas. Ao invés de solicitar que a criança leia um texto de 30 linhas e após isso responda 5 perguntas referentes ao conteúdo lido, intercalar um ou dois parágrafos e uma pergunta, mais um ou dois parágrafos e mais uma nova pergunta e assim por diante até concluir todo o texto.
Justificativa motivacional:
Crianças com TDAH tendem a ter menor tolerância à monotonia e à repetição de atividades sem valor que seja claramente perceptível. A desmotivação e o tédio geram abandono de tarefas, agitação psicomotora ou até mesmo comportamentos disruptivos (que podem incluir comportamentos de agressividade verbal e física). O sistema dopaminérgico (envolvido na motivação e sistemas de reforço) funciona de modo menos responsivo, o que exige maior variedade e estímulo para manutenção do interesse.
Adaptação pedagógica:
Reduzir o número de itens repetitivos (por exemplo, listas extensas de contas ou cópias) e priorizar atividades mais significativas e interativas melhora o engajamento e reduz conflitos comportamentais. Com certeza a aprendizagem pode ser mantida com qualidade superior mesmo com menor quantidade de tarefas e isso, possivelmente seja verdade não somente para crianças com TDAH, mas para todos os demais alunos que não apresentam nenhuma necessidade educacional ou comportamental específica.
Exemplo prático:
Em vez de exigir 20 cálculos repetitivos de subtração, solicitar 5 de forma bem elaborada, e completar com uma atividade prática que envolva o mesmo conceito matemático. Crianças com TDAH, principalmente nos anos iniciais da educação fundamental, podem se beneficiar muito de estratégias concretas para o ensino da matemática, já que processos de abstração podem ser comprometidos em uma parcela significativa destes alunos.
Justificativa neuropsicológica:
Crianças com TDAH aprendem melhor quando os canais sensoriais são múltiplos e reforçam simultaneamente a informação proposta pelo professor. A estimulação visual, auditiva e cinestésica auxilia na codificação e na manutenção da atenção. As redes neurais visuais e auditivas (em especial os circuitos occipitotemporais e frontotemporais) atuam de forma mais integrada quando há variedade sensorial. A utilização de diversos canais sensoriais também pode reduzir a monotonia nos momentos de ensino-aprendizagem, uma queixa frequente de crianças com TDAH.
Adaptação pedagógica:
Utilizar mapas mentais, esquemas visuais (pode-se utilizar até mesmo cartolinas grandes para que se possa enriquecer as informações com muitas pistas visuais), vídeos curtos, materiais manipulativos e instruções escritas complementares à fala do professor. Além disso, oferecer antecipadores gráficos, listas de verificação (checklists) e organizadores visuais de tempo (como timers) pode melhorar significativamente a autonomia da criança e sua performance acadêmica.
As adaptações pedagógicas para crianças com TDAH não visam facilitar de maneira indevida sua trajetória escolar, mas sim garantir equidade à todos os alunos no ambiente escolar, oferecendo os apoios necessários para compensar déficits neurológicos que impactam diretamente o aprendizado. Essas medidas devem ser pensadas em equipe multiprofissional, sempre com o apoio técnico e orientação do corpo docente, da psicopedagogia e da neuropsicologia. Quando bem implementadas, as adaptações promovem maior autoestima, autonomia, engajamento e desempenho escolar, protegendo a criança do estigma e da frustração crônica que frequentemente marcam o percurso escolar de alunos com TDAH.
Sugerimos a leitura:
American Psychiatric Association. DSM-5-TR. 2023.
Barkley, R. A. Attention-Deficit Hyperactivity Disorder: A Handbook for Diagnosis and Treatment. Guilford Press, 2015.
DuPaul, G. J., Stoner, G. ADHD in the Schools: Assessment and Intervention Strategies. Guilford Press, 2014.
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